(...) riu sozinha. Ria sozinha quase o tempo todo, uma moça magra querendo controlar a própria loucura, discretamente infeliz.
- Caio Fernando Abreu, O dia em que Júpiter encontrou Saturno
A visão dela estava toldada de vermelho. Havia vermelho em tudo: nas paredes, no chão, nas lâminas, no coração. Escorria de seus pulsos lentamente, levando-lhe a vida. E ador em seu peito.
Ah, dores. Ela as sentia por todo o corpo de modo entorpecedor - era tudo que sentia, quando sentia.
Estava
sentada no canto do box, o corpo molhado e os olhos borrados de preto. A
água escaldante caia sobre suas pernas encolhidas junto ao corpo,
deixando os membros vermelhos. Fumava vagarosamente um cigarro, soprando
longas baforadas no ar quente e vaporizado do banheiro.
Deu um trago ao rir sosinha e soprou a fumaça no ar sentindo-se miserável, acabada.
Só queria dormir; dormir para sempre.
Mas
nem sempre foi assim. Costumava ser inocente, sonhar com contos de
fadas. Despertava todas as manhãs porque acreditava. Agora, sangrava
porque sonhava em morrer cedo, sonhava em estancar seu sofrimento.
Mas
se fosse para entregar-se para a morte, que fosse nos braços dele. Que
seu lindo rosto fosse a ultima coisa que visse e sua linda e grossa voz a
ultima coisa que ouvisse. Estaria conformada e em paz ao partir, se
assim fosse. Abandoria a vida e aquele mundo de sofrimento de bom grado,
pois de qualquer modo, já não possuia gosto pela vida nem vontade de
lutar pela felicidades. Não quando quem ela mais amava dizia que não
mais a queria.
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